Observação participante e instrumentos para trabalho de campo
- rcamuzi
- 14 de jul.
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Os instrumentos de trabalho de campo na pesquisa qualitativa servem para fazer a mediação entre os marcos teórico-metodológicos e a realidade empírica. Entre esses instrumentos, encontram-se o roteiro de entrevista, o roteiro para discussão de grupos focais e o roteiro para observação participante.
A observação participante pode ser considerada uma parte essencial do trabalho de campo qualitativo. É entendida como a presença do observador numa determinada situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica. Nesta modalidade, o observador está em relação face a face com os observados e, ao participar do seu cenário cultural, colhe dados. O observador é, portanto, parte do contexto observado e é modificado por ele.
# Elaboração e Uso do Roteiro para Observação Participante
Antes de iniciar o trabalho de campo, é fundamental que o pesquisador decida o que observar. Isso pode envolver uma observação livre ou a construção de um roteiro específico. De acordo com os objetivos da pesquisa, deve-se estabelecer a forma e o conteúdo dessa atividade.
O roteiro para observação participante serve como um guia para o trabalho de campo. No caso da observação dirigida, os tópicos a serem observados precisam ser formulados tendo em vista os temas que constituem o objeto da investigação e a partir de alguns elementos exploratórios da realidade empírica.
Um roteiro não deve prever todas as situações, mas sim servir como um guia, nunca um obstáculo. Ele deve ser elaborado e usado facilitando a emergência de temas novos durante o trabalho de campo. Embora o roteiro guie o trabalho, a investigação qualitativa requer atitudes fundamentais como fundamentabilidade, abertura, flexibilidade, capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores e com os atores sociais envolvidos.
Toda a informação obtida através da observação deve ser registrada. O instrumento para isso é o Diário de Campo. Neste caderno, o investigador deve anotar todas as informações que sejam o registro das entrevistas formais, mas também observações sobre conversas informais, comportamentos, cerimoniais, festas, instituições, gestos, expressões que digam respeito ao tema da pesquisa. O diário de campo não é apenas um caderno de notas, mas sim o que o investigador, dia por dia, vai anotando do que observa e que não é objeto de nenhuma modalidade de entrevista. Ele deve ser acompanhado e constitui-se num processo reflexivo permanente do pesquisador. Registrar as impressões pessoais que vão se modificando com o tempo, os resultados de conversas informais e as observações de comportamentos é crucial.
Malinowski (1978) enfatizou a necessidade de observar os imponderáveis da vida social, que incluem a rotina diária, cuidados físicos, preparo de refeições, conversas, relações sociais, hospitalidade, conflitos, simpatias e antipatias. Ele também destacou a observação de regras obedecidas ou transgredidas, formas de relação, expressões de sentimentos coletivos, costumes, e a importância dos atributos de grupo.
A preparação do investigador é crucial para a observação participante, exigindo preparação suficiente para levantar questões que ajudem a abranger níveis cada vez mais profundos na exposição. Não se trata de improvisar ou agir por descuido. O pesquisador precisa ter treinamento teórico e familiaridade com resultados científicos recentes.
A entrada em campo e os primeiros contatos merecem cuidado especial. As pessoas que controlam a comunidade são cruciais para o sucesso. A relação com o entrevistado/observado é fundamental. A empatia, o respeito e a inserção são atitudes importantes do observador.
Existem diferentes papéis que o observador pode assumir no campo, conforme descrito por Gold (1958), como o Participante Total, o Participante como Observador, o Observador como Participante e o Observador Completo. O papel de Observador-Participante exige tempo de campo e permite aprofundar na vivência e nos hábitos. O Observador-Total é uma modalidade complementar à entrevista e à observação participante.
# Necessidade ou não de Validação
As fontes não discutem a "validação" de roteiros de observação participante nos mesmos termos formais aplicados a questionários. No entanto, abordam o pré-teste e a modificação dos instrumentos.
Alguns pesquisadores costumam realizar pré-testes dos roteiros. No caso do roteiro de investigação qualitativa (incluindo, por implicação, o de observação), isso pode ser feito através de entrevistas com interlocutores-chave, o que ajuda a refinar a lista de temas e aspectos a serem abordados.
É explicitado que o roteiro de investigação qualitativa pode e deve ser modificado durante o processo interativo. Isso ocorre quando o investigador percebe que temas não previstos surgem e são de elevada significância para os interlocutores ou para a compreensão da realidade. A flexibilidade e a capacidade de re-adaptação dos instrumentos de pesquisa qualitativa durante o trabalho de campo são características destacadas, visando às finalidades da investigação.
A "cientificidade" do trabalho qualitativo com roteiros de observação não reside na regularidade das respostas ou na padronização rígida como nos questionários. Pelo contrário, a cientificidade está ligada ao processo reflexivo permanente do pesquisador. Os roteiros precisam ser devidamente acompanhados nesse processo reflexivo. A fluidez da observação participante permite ao pesquisador flexibilidade e a possibilidade de desviar-se de um instrumento rígido.
Em suma, embora a validação formal como em estudos quantitativos não seja o foco principal para roteiros de observação qualitativa, a qualidade e a precisão do instrumento são asseguradas por:
Elaboração cuidadosa baseada nos objetivos e referências teóricas.
Pré-teste com interlocutores-chave.
Flexibilidade e modificação contínua durante o trabalho de campo, baseada na experiência e na emergência de temas relevantes.
A profundidade da observação e a capacidade do pesquisador de reflexão permanente e registro rigoroso no diário de campo.
Alguns autores, como Denzin e Cicourel, veem a própria observação participante como um contexto para testar hipóteses in loco, o que implica uma forma de validação intrínseca ao processo de campo.

Referência: MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10 ed. Hucitec : São Paulo, 2007. (Capítulos 8 e 10.)









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