Reflexões sobre elaboração de roteiros de entrevista e questionários
- rcamuzi
- 14 de jul.
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Os instrumentos de trabalho de campo na pesquisa qualitativa visam mediar entre os marcos teórico-metodológicos e a realidade empírica. São eles: roteiro de entrevista, roteiro para observação participante e roteiro para discussão de grupos focais.
# Elaboração e Uso do Roteiro de Entrevista
O roteiro de entrevista é entendido como uma lista de temas que se desdobram em indicadores qualitativos de uma investigação. Essa lista deve ter, como substrato, um conjunto de conceitos que constituem todas as faces do objeto de investigação e visar, na sua forma de elaboração, a operacionalização da abordagem empírica do ponto de vista dos entrevistados. No formato final de sua elaboração, o roteiro deve apresentar-se na simplicidade de alguns tópicos que guiam uma conversa com finalidade. As condições para sua elaboração incluem que cada questão levantada faça parte do delineamento do objeto, que todas se encaminhem para lhe dar forma e conteúdo, que permita ampliar e aprofundar a comunicação e não a cerceie, e que contribua para emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito dos fatos e das relações que compõem o objeto, do ponto de vista dos interlocutores.
Um roteiro difere do instrumento questionário. Enquanto este último pressupõe hipóteses e questões bastante fechadas cujo ponto de partida são as referências do pesquisador, o roteiro tem outras características. Ele visa compreender o ponto de vista dos atores sociais previstos como sujeitos/objeto da investigação e contém poucas questões. Um roteiro, não devendo prever todas as situações e condições de trabalho de campo, serve sempre como um guia, nunca um obstáculo. É dentro dessa visão que deve ser elaborado e usado, facilitando a emergência de temas novos durante o trabalho de campo, provocados pelo seu questionamento.
As entrevistas podem ser consideradas conversas com finalidade. São realizadas por iniciativa do entrevistador e destinadas a construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa. A entrevista pode ser classificada, pela forma, em sondagem de opinião (elaborada mediante questionário totalmente estruturado), entrevista semi-estruturada (combina perguntas fechadas e abertas) e entrevista aberta ou em profundidade (onde o entrevistado tem possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada).
O roteiro para entrevista aberta aparentemente mais simples de preparar, pois pouco exige quanto à lista de temas por parte do investigador. O instrumento da entrevista aberta é a descrição sucinta, breve, ao mesmo tempo abrangente, pelo entrevistador, do objeto da investigação, orientando os rumos da fala do interlocutor. Esse tipo de instrumento exige preparação suficiente do pesquisador para levantar questões que ajudem o entrevistado a abranger níveis cada vez mais profundos em sua exposição. Nesse caso, o instrumento fica guardado na memória do investigador, testando sua capacidade de ver, concatenar fatos, sobretudo, de ouvir e conduzir o entrevistado para que explicite, da forma mais abrangente e profunda possível, seu ponto de vista. Nas entrevistas abertas, a ordem dos assuntos tratados não obedece a uma sequência rígida e determinada frequência, uma vez que é o entrevistado que dá ao assunto em pauta a proeminência.
O roteiro para entrevista semi-estruturada para essa modalidade de abordagem, o roteiro deve desdobrar os vários indicadores considerados essenciais e suficientes em tópicos que contemplem a abrangência das informações esperadas. Os tópicos devem funcionar apenas como lembretes, devendo ser memorizados pelo investigador quando está em campo. Servindo de orientação e guia para o andamento da interlocução, o roteiro deve ser construído de forma que permita flexibilidade nas conversas e a absorver novos temas e questões trazidas pelo interlocutor como sendo de sua estrutura de relevância. Na sua elaboração, o roteiro semi-estruturado deve levar em consideração questões como a forma de colocação de um item na lista deve induzir a uma conversa sobre a experiência, não perguntas por conceitos ou por ideias. A pergunta deve fazer parte do delineamento do objeto e encaminhar-se para enfatizar as relevâncias previstas no projeto.
# Elaboração e Uso do Questionário
O questionário, diferente do roteiro, parte das referências do pesquisador e pressupõe hipóteses ou questões mais fechadas. Ele é utilizado para captar aspectos relevantes de um problema de investigação, visando a iluminar a compreensão do objeto e a estabelecer relações e generalizações. No processo de pesquisa, surge a necessidade da elaboração de um questionário fechado para captar aspectos considerados relevantes. Na abordagem qualitativa, dada a sua natureza, nenhum roteiro substitui ou deve ser substituído por questionários, pois ambos correspondem a lógicas específicas e diferenciadas de aproximação do objeto.
Embora o questionário seja um instrumento mais associado à pesquisa quantitativa, a descrição de sua elaboração mencionada nas fontes implica na formulação de perguntas, podendo ser totalmente estruturado. No contexto da pesquisa qualitativa abordado nas fontes, o questionário não é tratado como o instrumento principal, mas é mencionado como uma ferramenta que pode captar aspectos relevantes. A técnica Delphi, por exemplo, utiliza questionários ou roteiros por correio para buscar consenso entre especialistas e pode subsidiar a construção de instrumentos fechados ou semi-estruturados em investigações de larga escala ou multicêntricas.
# Necessidade ou não de Validação e Pré-teste
As fontes abordam a questão do teste dos instrumentos, especialmente o pré-teste. Alguns pesquisadores costumam fazer um pré-teste dos roteiros ou questionários, contribuindo para perguntas mais precisas dos próprios questionários. No caso do roteiro de investigação qualitativa, o pré-teste consiste na realização de entrevistas com alguns interlocutores-chave, o que contribui para tornar mais clara e precisa a lista de temas e aspectos a serem conversados durante o trabalho de campo.
É explicitado que o roteiro de investigação qualitativa pode e deve ser modificado durante o processo interativo, quando o investigador percebe que determinados temas, não previstos, estão sendo colocados por seus interlocutores, apresentando-se como de elevada significância para eles. Isso implica que a elaboração do roteiro não é um processo estático, mas dinâmico e sujeito a refinamentos contínuos baseados na experiência de campo. Os instrumentos de pesquisa qualitativa, segundo as fontes, costumam ser facilmente corrigidos e re-adaptados durante o processo de trabalho de campo, visando às finalidades da investigação.
Uma pergunta que frequentemente surge sobre o uso do roteiro em campo é quanto à cientificidade desse tipo de trabalho que não segue as regularidades de respostas, como no caso dos questionários. A resposta é que o investigador que trabalha com abordagem qualitativa nunca pode esquecer-se de que não estuda um somatório de depoimentos. A cientificidade do trabalho qualitativo com roteiros de entrevista reside no processo reflexivo permanente do pesquisador. Os roteiros precisam ser devidamente acompanhados, constituindo-se num processo reflexivo permanente do pesquisador.
Para os questionários, especialmente em investigações que buscam validação de decisões ou subsidiar a construção de instrumentos para larga escala, técnicas como a Delphi são mencionadas por sua aplicação para alcançar consenso e subsidiar essa construção. O texto também menciona que há livros específicos que não só ensinam a elaborar questionários como enunciam todos os cuidados e todo o rigor científico exigido para a sua validade como instrumento de captação de dados. No entanto, no contexto da pesquisa qualitativa, o questionário é tratado como de menor relevância em comparação com o roteiro de entrevista e a observação.
Em síntese, enquanto para questionários (especialmente em usos mais formais ou quantitativos) a validação e o rigor científico são esperados, para os roteiros de entrevista qualitativa, a ênfase recai na elaboração cuidadosa seguida de pré-teste e, crucialmente, na flexibilidade e modificação contínua do instrumento ao longo do processo de campo, orientada pela reflexão do pesquisador e pela emergência de temas relevantes. A "cientificidade" do roteiro qualitativo está ligada ao trabalho do pesquisador e à profundidade que ele consegue alcançar.

Referência: MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10 ed. Hucitec : São Paulo, 2007. (Capítulos 8 e 10.)









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